(tempo médio de leitura: 5 s para heavy users do Tiktok; tempo que for para gestores de suporte interessados em crescerem na carreira)
Muitas empresas estão assumindo em definitivo a escala híbrida de trabalho, algo como 3 dias na empresa e 2 em casa (ou seja lá onde for).
Semana retrasada — 19 a 23 de junho — visitei várias empresas de tecnologia na capital São Paulo e, para mim, a situação é inconclusiva.
Sei que muitos têm certeza de que home office “puro” ou “full time” é o futuro.
O que vi, na prática, foi algo diferente. E confuso.
Alguns vs. todo mundo na empresa
Visitei firmas que desejam todo mundo na sede, 5 dias por semana. Por vários motivos, incluindo medo de desmanche da cultura organizacional, dificuldades de gerenciamento, obstáculos para serendipidade e por aí vai.
Esse comportamento rígido faz com que percam colaboradores, em especial aquelas que têm times de suporte de nichos, como SAP. Esses profissionais são especializados, raros e, portanto, bem valorizados. Dão-se ao luxo de escolher.
Outras empresas mantêm times jovens, oriundos de classes menos favorecidas economicamente, e conseguem “seduzi-los” a algo como 100% na empresa. Tais colaboradores aceitam a proposta por que a infraestrutura residencial não é lá das melhores. E estando próximo das chefias, as oportunidades de crescimento são melhores — lembre-se do antigo ditado “quem não é visto, não é lembrado”.
Empresas com sede em cidades do interior não sofrem (ainda) o impacto. Não há trânsito horroroso que faça funcionários perderem um tempo de sua vida nele. E ir ao escritório é até um evento social.
E finalmente há aquelas empresas que busquei marcar visita, mas estão todas em regime full home office — perdi a viagem. Ou seja, não existe mais uma sede física, nem mesmo para receber visitas.
Jornal Estadão
Dia 09 de junho saiu uma reportagem no jornal Estadão cujo título era O home office deu errado? Entenda por que empresas como Google e Facebook estão abandonando o modelo.
Como toda mídia, às vezes a manchete é exagerada para captar o interesse do leitor. Por outro lado, não pode ser descomedida sob pena de perder a credibilidade.
Jessica Brasil Skorch e Isabel Gomes são as autoras e o subtítulo é contundente:
“Produtividade e falta de cultura organizacional aparecem entre as razões apontadas por empresas para a volta ao formato presencial; especialistas dizem que tendência ainda é o sistema híbrido“.
A lista das empresas citadas são as habituais que conhecemos: Facebook, Apple, Amazon, Twitter, Google e outras. Curiosamente, as mesmas que encabeçaram (e faturaram com) o movimento home office no início da pandemia.
Um especialista entrevistado destaca que alguns dias de trabalho presencial podem resolver problemas surgidos com o trabalho remoto, como uma produtividade mais lenta e baixa.
“Você puxa a cadeira do seu colega, resolve as questões ali na hora pessoalmente, o que é muito mais rápido. Os processos fluem melhor”, afirma. Segundo ele, o modelo também resolve o sentimento de solidão daqueles que não querem trabalhar sozinhos em casa, mas também daqueles que querem mais tempo para outras atividades.
Segundo o especialista, durante a pandemia as pessoas passaram a ter mais tempo para fazer certas atividades pessoais, como ficar mais com os filhos. Agora, com esse arrastão de volta ao escritório, a maioria quer manter as folgas na agenda.
Jornal Nature Human behaviour
Aqui não é mais uma reportagem. É um artigo científico. De 2021 que coletou dados de 61.182 funcionários da Microsoft nos EUA.
Você pode ler em The effects of remote work on collaboration among information workers.
E como todo trabalho científico, ele não “acha”. Analisa os números. E produz conclusões.
(Não cito dos autores por que a lista de nomes é longa)
Do resumo:
Nossos resultados mostram que o trabalho remoto em toda a empresa fez com que a rede de colaboração dos trabalhadores se tornasse mais estática e isolada, com menos pontes entre partes diferentes. Além disso, houve uma diminuição na comunicação síncrona e um aumento na comunicação assíncrona. Juntos, esses efeitos podem tornar mais difícil para os funcionários adquirir e compartilhar novas informações na rede.
Das conclusões e inferências do trabalho
No futuro, é provável uma mudança para um modelo de trabalho híbrido, com os funcionários dividindo seu tempo entre trabalho remoto e no escritório. Ou um modelo misto, no qual as empresas são compostas por uma mistura de gente trabalhando só de forma remota e outras só no escritório.
Os autores citam que tanto a topologia quanto a força dos laços — frisei aqui com negrito — têm papel importante no sucesso de indivíduos e organizações. Para as pessoas, é benéfico ter acesso a informações novas e não redundantes por meio de conexões com diferentes partes do organograma formal (e informal) de uma organização.
(Leia-se o cafezinho, elevador, almoço no refeitório, ônibus fretado, corredor e outras oportunidades)
Duas pessoas conectadas por um laço forte geralmente trocam informações com mais facilidade (pois são mais propensas a compartilhar uma perspectiva comum), confiam uma na outra, cooperam uma com a outra e investem esforços para garantir que o conhecimento compartilhado seja compreendido e utilizado.
Minha esposa que o diga. Ela é psicóloga e a migração do físico para o on-line, diz ela, fez com que perdesse muitos “sinais” corporais que permitiam compreender melhor o paciente.
A mudança para o trabalho remoto em toda a empresa fez com que os grupos de negócios dentro da Microsoft se tornassem menos conectados.
Pior:
Os funcionários conversavam mais com seus laços fortes (leia-se panelinha), escanteando os demais. Justamente aqueles que poderiam trazer novas informações (pense no Suporte Técnico sem conversar com o time de Customer Success).
Comunicação síncrona e assíncrona
A teoria da sincronicidade da mídia diz que:
- Canais de comunicação assíncronos (como e-mail ou newsletter) são mais adequados para transmitir informações.
- Canais síncronos (como videochamadas ou papo na copa) são mais adequados para convergir no significado da informação.
Por exemplo, pesquisas mostraram que estabelecer um relacionamento — importante precursor da transferência de conhecimento — é mais difícil de realizar pelo e-mail. E a comunicação pessoal ou por telefone/vídeo está mais associada ao desempenho positivo da equipe do que e-mail e mensagens instantâneas comunicação de mensagens (Whatsapp, Telegram e outros primos).
O trabalho remoto obviamente elimina a comunicação pessoal; no entanto, descobriram que as pessoas não substituíam simplesmente as interações pessoais por chamadas de vídeo e/ou voz.
Na verdade, descobriram que a mudança para o trabalho remoto em toda a empresa causou uma diminuição geral na comunicação síncrona observada, como reuniões agendadas e chamadas de áudio/vídeo.
(Hahaha, pegadinha, hein! Você acha que a quantidade de videochamadas aumentou!!)
O gestor se dá mal!
Descobriram que a mudança para o trabalho remoto na empresa fez os gerentes gastarem mais tempo do que os colaboradores em mensagens instantâneas enviadas, e-mails enviados e horas não programadas de chamadas de vídeo/áudio.
Provavelmente ocorre porque, ao contrário dos colaboradores, uma parcela maior do tempo dos gerentes é dedicada à comunicação com outras pessoas, ou seja, seus subordinados diretos (por exemplo, para resolver problemas que bloqueiam o progresso ou realizar análises de desempenho) e representantes de outras áreas da empresa.
Pense aí: um gestor de suporte precisa conversar com seus profissionais, mas também com gerentes de outras áreas (desenvolvimento, infraestrutura, TI, RH etc.). E isso piorou com o ambiente remoto.
Não somos perfeitos
Aqui vem uma mea-culpa dos autores sobre a pesquisa (isso evita que os habituais praticantes do jogue-uma-pedra-no-texto-do-outro fiquem excitados):
- O estudo envolveu os impactos do trabalho remoto nos funcionários de uma grande empresa de tecnologia nos Estados Unidos. É preciso ter cuidado ao transpor as conclusões para pequenas empresas e até de outros países.
- O período do estudo foi bastante curto (três meses). Como era o início da pandemia, os funcionários aproveitaram as conexões de rede existentes, muitas das quais construídas pessoalmente. Isso será mais complicado se o trabalho remoto em toda a empresa for implementado a longo prazo.
- Embora acreditem que as mudanças nas redes e mídia de comunicação dos trabalhadores afetarão a produtividade e a inovação, os pesquisadores não conseguiram medir esses resultados diretamente.
Conclusão (by Cohen)
- As empresas ainda estão “se achando, se definindo”, buscando uma fórmula que atenda parcialmente a todos. Depende muito também do valor de mercado de cada profissional de suporte, pois aqueles mais valorizados podem exigir full home office, se assim o quiserem. E curiosamente, da geografia, como explicado antes.
- A troca de informações “novas” diminuiu de qualidade, pois as preferências estão mais para mensagens assíncronas. E nelas é difícil criar novos relacionamentos — tanto esforço de integração por parte das equipes de RH vai por água abaixo.
- Os gestores estão sofrendo ainda mais, pois precisam coordenar equipes espalhadas fora da sede física. Sua atividade envolve mais relacionamento humano do que execução de tarefas (salvo aqueles que se consideram supertécnicos ou se enfiam no teclado).
- Empresas de pequenas cidades têm um relativo conforto nessa transição: todo mundo fica numa boa indo ao escritório. Porém, por outro lado, enfrentam uma situação de escassez de mão de obra regional, dependendo de suas atividades.
E está chegando o dia
Semana que vem, tem curso comigo: 12-13-14 de julho ocorre o curso Gestão de Serviços para Help Desk e Service Desk.
Vamos organizar — ainda mais — o seu centro de suporte nessa bagunça?
Detalhes em www.4hd.com.br/calendario
Beijos
EL CO