Como foi o curso em Caruaru/PE

Relatos de um professor viajante

Em meados de fevereiro (04 e 05) fui até a cidade de Caruaru, no interior de Pernambuco, rumo ao sertão nordestino.

O objetivo era (e foi) ministrar um treinamento de dois dias para a equipe de Service Desk da Unimed local e também ao grupo de atendimento a clientes.

Cheio de expectativas e fantasias pessoais de cangaceiros, jegues e mulas e tudo o mais que permeia o imaginário daquela região agreste, cruzei o paí­s todo para lá estar sábado bem cedo.

Do preconceito

Não posso negar.

Tinha eu uma ideia de encontrar uma cidade pequena, meio campestre, bucólica, o povo vivendo de extrativismo, plantação de um quê ali, outro aqui.

Natural que imaginasse isso.

Quando se fala ou ouve sobre sertão nordestino, as primeiras imagens que vêm à cabeça da gente são reportagens da Globo e Band mostrando pessoas buscando água em cima de mulas e percorrendo quilômetros de distância para alcançar o tão bendito lí­quido.

Se duvida, assista este ví­deo da Globo de domingo passado.

A lembrança da famosa “Feira de Caruaru” também colaborou a criar esta imagem.

Amigos fizeram um mochilão pelo Brazil quando passaram no vestibular e subiram o paí­s acima, passando por esta cidade. E na feira compraram de tudo, até armas (creio que foram umas escopetas) e relataram dezenas de casos inusitados.

Daí­ que…

Da cidade

Quando ia me aproximando de carro, saí­do de Recife, a vegetação deixou de ser verde. Passou a ser cinza.

Cinza, exatamente! Não amarelo queimado, mas cinza! Da cor quando já queimou tudo que era disponí­vel e o espaço todo virou pó (não é à toa que “cinza” lembra tristeza, desolação e tudo mais).

Eu olhava as árvores e pensava “— Diachos, pobre povo que mora nessa beira de estrada e precisa conviver com uma natureza tão agreste. Melhor, agressiva. Nada lhe dá”. Nenhuma figueira, pereira, goiabeira, etc.

Então lembrei de um excerto de Euclides da Cunha que inseri no meu próprio TCC:

O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.

A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretí­ssima das organizações atléticas.

É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasí­modo, reflete no aspecto a fealdade tí­pica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilí­nea e firme. Avança celeremente, num bambolear caracterí­stico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo — cai é o termo — de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilí­brio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridí­cula e adorável.

É o homem permanentemente fatigado.

Reflete a preguiça invencí­vel, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude.

Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.

Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias.

Quando entramos na cidade, levei um susto.

Muita, muita gente trabalhando na expansão de uma UPA. Conectada ao Hospital da Mulher.

A foto acima foi às 05:00 da matina, voltando para Recife.

Pensei, oigalê, como pode? De onde vêm os recursos para isso?

As UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) no Rio Grande são verdadeiras ratoeiras para funcionários, onde o teto pinga água (claro, em Caruaru não precisam se preocupar com isso, pois não chove há 8 anos), quase inexiste computador e outras situações.

É vexaminoso para qualquer servidor que deseje prestar um bom atendimento ao cidadão trabalhar num ambiente assim (e sei bem por quê, afinal minha filha trabalhou numa por dois anos e os registros eram diários desta miséria e descalabro).

OK, mais adiante, outro susto. Prédios e prédios de 30 andares. TRINTA andares!

Foto extraí­da da Wikipedia

Se me largassem no meio de uma avenida de Caruaru não saberia — exceto pelas placas dos carros — se estava em Caruaru ou São Paulo. Sério mesmo. Uma explosiva expansão imobiliária ocorre por lá. É uma cidade de 400.000 habitantes.

Passamos em frente ao shopping Difusora. Uma bela duma construção, taco a taco com a de qualquer cidade do Sudeste.

E o motorista: “— Seu Roberto, isso aqui foi construí­do por um camelô. E se o senhor começa a conversar com uma pessoa simples em um boteco qualquer, nunca imaginará que aquela ali pode ser ele. Anda despojado de riqueza, de aparência, mas… Vende muito“.

E a megabanana split de sobremesa dessa descrição toda:

A feira de Sulanca.

Ela só funciona na segunda-feira. Inicia de madrugada e encerra no meio da tarde.

Porém, é um local gigante (seria melhor dizer gigantesco?!) de negócios com roupas. A indústria têxtil da cidade e arredores é poderosa e existe uma especialização muito grande (certos locais só cortam tecidos conforme moldes, outros só costuram roupas, outros só pregam botões e assim por diante).

Resultado?

Calça jeans a R$ 25 (diferentes pessoas me disseram a mesma coisa). Camisetas a R$ 4.

E uma visitação extraordinária de gente de tudo quando é canto do Brazil comprando para revender em seus estados. Olhe uma foto abaixo para entender do que estou a falar:

O local atual não comporta mais tanta gente. Vão mover os 18.000 feirantes para um novo espaço, maior e coberto (não sei por quê, pois se não chove há 8 anos…).

Aliás, sobre não chover, o hotel onde me hospedei compra 3 caminhões d’água por dia. Um funcionário do mesmo disse que há 32 dias não há água no encanamento da sua residência. Em alguns locais, a água alterna dia não, dia não também!

A origem do nome Sulanca: alguns dizem que a matéria-prima da época (tecido helanca) vinha do sul, por isso virou sulanca. Outros que o “su” vem de sucata, pois era feito de retalhos, etc. que sobravam e junto com o “helanca” virou tal nome.

Ah, o nome de Caruaru também tem diferentes versões:

  • Caruru que é um sapo grande.
  • Caruara que é doença que ataca os bezerros.
  • Kalulu, expressão dos escravos e aí­ vai…

OK, já babei Caruaru. E sim, quero voltar!!!

🙂

Da Unimed

A la putcha! Em plena expansão!

Vi de primeira que tinham pila nos bolsos, pois quando dei o preço fecharam de imediato. Com um desconto, claro, pois em terra de negociante nada sai assim no más.

Decidido o valor as coisas funcionaram muito rápido. Para minha surpresa, pois esse tipo de andamento demora vários meses (e em algumas empresas chega até a perder o timing e é cancelada).

E o time corporativo de logí­stica foi dez!

Num vupt, já estava com passagens internacionais do Rio Grande do Sul lá pro nordeste do Brazil.

Eles estão expandindo o hospital (e a obra está rigorosamente em dia!!!! Inédito isso na América Latina! Só construção de estádio de futebol consegue isso!)

Ao lado do hospital, um megacentro médico. Que inveja.

Do curso – dia 1

O primeiro desafio foi encontrar dois times diferentes de atendimento na sala. Um de TI e outro ao cliente (dúvidas sobre o plano de saúde, etc.). Perguntaram a mim antes do curso (mesmo antes de viajar) se haveria algum problema.

Disse que não, pois ambos atendem. Mas quando chega a hora, mano véio, as coisas mudam. É preciso adaptar o diálogo, ilustrar mais as situações e assim por diante. Não me sai mal, mas planejar é preciso.

O primeiro exercí­cio foi sobre catálogo de serviços.

Pensei que isso seria uma desgraça junto ao time de atendimento, somente mulheres. Qual nada, pelo contrário! Várias me perguntaram se conhecia outras Unimeds que implantaram esse tipo de atividade aos seus clientes, como faziam, o que achava e tudo o mais. Fantástico.

Sim, sei que todo mundo precisa ter. Mas como eu vivo no meu mundo, deparar-me com outro é um universo completamente novo para explorar, conhecer, investigar.

O próximo exercí­cio foi com base de conhecimento.

Meus cursos são todos assim, baseados em aprendizagem ativa. O pessoal faz algo, em seguida nos organizamos em cí­rculo e começamos a debater o que aconteceu, as conclusões, como podemos ser melhores e tal. Desta vez o disparador, o estí­mulo, gatilho para os debates foi dividir a turma em 3 grupos e oferecer premiação para aquele que montasse seu quebra-cabeças primeiro.

Ualá, quase apanhei, pois somente um poderia vencer, hahaha. Sim, o jogo é desonesto exatamente para provocar a polêmica. Afinal, não seria um curso do Cohen sem isso.

Depois tivemos o exercí­cio do fabuloso pinguim gigante onde aconteceu verdadeira catarse.

Tivemos também experiências com empatia. Não com o conceito, com a prática! Com a prática!

Obviamente, estou apontando apenas os destaques, tivemos muito mais que isso para fazer em um dia inteiro.

Do curso – dia 2

Rapaz. Garota. Iniciamos o dia trabalhando o desenvolvimento de relações interpessoais e para isso usei um exercí­cio bombástico: a janela de Johari. E os resultados sempre são surpreendentes quando descobrimos o quadrante que não nos conhecemos, mas os outros sim.

OK, trabalhamos técnicas de comunicação. Não deu para praticar muito, pois era um domingo à tarde. Mas levamos na boa.

Finalmente, vimos a importância de processos e fluxo de informações.

Do presente

Maravilhoso! Mirem:

O lado ruim

Yeah, sempre tem algo que atrapalha. Senão estarí­amos no paraí­so.

Foi a estreia do meu Chromebook.

Comprei esse bichinho por que foi muito barato (by Amazon), estupidamente leve e servia pro gasto: apresentações.

Porém, fico preso a duas coisas: internet e Google Apps.

A internet era boa, mas algumas coisas que não se revelaram em laboratório, apareceram com o Google Apps por lá.

Exemplo: Com Google Slides (a versão simplória do PowerPoint), não dá pra ter um slide que inicie automático um ví­deo. Aliás, os ví­deos devem ser todos do Youtube. E ainda assim, quando se pressiona play, ocorre alguns lags (aquelas latências, demoras em avançar, etc.).

Tão diferente do meu Samsung com Windows 10 que lá do meio da sala eu passava o próximo slide e o ví­deo iniciava sem delongas, com o Google Slides eu preciso ir até lá, clicar no botão “play” e aguenta que no meio da apresentação, ele pare enquanto bufferiza a próxima parte do ví­deo.

Há outras desgraças, como não conseguir, como no Powerpoint, entrar em modo “classificação de slides” (aquele que aparecem várias miniaturas dos slides distribuí­das por toda a tela); ir direto para um slide; demora na carga inicial da apresentação; sair de tela cheia e voltar para modo apresentação, em especial em slides que tem ví­deos embutidos e assim por diante.

Coloquei minhas barbas de molho e vou repensar o uso. O barato tá me parecendo que saiu… Pela culatra.

Agradecimentos ao time de apoio

Vixe Maria.

Impossí­vel deixar de agradecer:

Elienaide do RH que providenciou toda a logí­stica, ficou de apoio no primeiro dia e tal. Do jeito que tratou, pensei que eu era o Neymar ou presidente da república (de uma república decente, claro).

Thiago, gestor de TI. Que competência em fazer acontecer. Admirável.

Kathiele (?) do RH que me acompanhou no segundo dia e deu todo o suporte.

Luciano, gestor do Service Desk que liderou sua equipe com maestria.

Suseny, gestora do time de atendimento que teve a paciência de aguentar minhas explicações ainda agarradas em service desk e traduzia, de certa forma, para o seu ambiente. Mas isso foi só no primeiro turno, por que os outros três eram de atendimento mesmo o contexto e ela deve ser ficado mais aliviada.

Pós curso

Foram poucos feedbacks negativos nas fichas de avaliação. Mas foram ótimos, pois não sou perfeito e me ajudam a aperfeiçoar cada vez mais o curso.

Os feedbacks positivos também colaboram no sentido de mostrar por onde vou bem.

Conclusão (não deixe de ler)

Aprendizagem ativa é algo que foge do controle do coordenador.

Por que o controle está exatamente nas mãos dos alunos ou melhor, participantes.

É por isso que:

  • Meus cursos têm poucos alunos (para dar atenção a todos).
  • Não gosto de webmeeting como ferramenta de aprendizado (é alguém reproduzindo slides e desprezando o fato que os alunos são diferentes).
  • Tudo gira em torno de exercí­cios para que possamos debater o conteúdo e seguir no caminho que o grupo deseja, sempre lembrando que em determinado momento eu preciso resgatá-los para aquilo que vieram fazer.

Não acho os outros métodos danosos (eu mesmo forneço EAD). Só que quando me perguntam qual a melhor forma de aprender, é sempre presencial. E a sociedade está em constante mudança, rumo ao individualismo e cada um na sua.

Mas há de completar a volta e retornar ao estilo das aulas lá da Grécia, em cí­rculos, debates, questionamentos e assim por diante.

Por enquanto, só posso dizer muito obrigado a todos de Caruaru.

E espero poder ver você num curso presencial meu perto de sua cidade.

Visite www.4hd.com.br/calendario para ver mais.

Abrazon

EL CO

Fotos do pessoal se divertindo (eu também, claro!) e aprendendo Service Desk e Atendimento Melhor

3 comentários em “Como foi o curso em Caruaru/PE”

  1. Grande Cohen!

    Foi um prazer recebê-lo no país de Caruaru! ^^
    Brincadeiras a parte o curso foi ótimo! Instigante, provocador e participativo. Agora é colocar em prática e buscar a melhoria diária com criticidade e proatividade.

    Interessantíssimo suas colocações em relação ao preconceito (no sentido de “juízo” preconcebido) com a região; é algo que de fato percebemos e sentimos; algo até natural pela imensidão de Brasil, diversidade cultural, e certa falta de informações mais completas sobre tudo isso. Mas é maravilhoso como mudamos as percepções de quem vem nos conhecer, ao vivenciar um pouco nossa realidade. E isso porque você passou apenas 2 dias aqui, só conseguistes ver um pouquinho, tem muito mais para conheceres… quem sabe numa próxima oportunidade. ; )

    Abraço!

  2. Nobre,
    É vergonhoso como o noticiário diário (que rima, hein?!) incute na gente tal ideia do sertão do nordeste (e como nos deixamos levar sem questionar).

    Eu fiquei muito, muito feliz em ter visitado-os.

    É raro um registro de um curso in-company aqui no blog. Mas desta vez fiz questão. Foi tudo de muito bom.

    Agora espero vocês aqui no sul, preferencialmente no inverno, para comerem churrasco, tomar chimarrão, comer galeto, beber chocolate quente, comer chocolate, passear por Gramado e Canela, comer rodízio de foundeu (viu que tudo tem um comer, comer, comer, hahaha?).

    Abrazon a todos,

    EL CO

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