Movimento curioso: as empresas carecem de gerentes e esses, por sua vez, desejam se tornar líderes, antes mesmo de cumprirem suas funções como gestores
A volta
Olá amigos, estou de regresso. Da Europa. Traumatizado e reavaliando meus conceitos em função do choque cultural recebido. Passei 15 dias na Itália passeando por Veneza, Verona, Florença, Arezzo, Pisa, Lucca, Roma e outras cidades. Vi, entre tantas diferenças daqui, muita gente andando naquelas miniaturas de carro: Smart, Toyota IQ, etc.
Lá, um Smart custa 8.000 euros (uns 28.000 reais). Aqui, 55.000 reais.
Fiquei atordoado ao perceber que eles não precisam de um Chevrolet Cruze ou outro carro grande, pois para viajarem usam trens que se locomovem a 260 km/h e chegam em 1,5 horas de Florença a Roma (uns 300 km).
Adotam e abusam de bicicletas nas cidades (em especial nos centros históricos onde a circulação de veículos é limitada). Mas estou falando de bikes antigas, daquelas com para-lamas na frente e atrás. E sem marchas. Têm restaurantes com mesas e cadeiras nas calçadas e ruas tanto para almoço quanto para jantar (já pensou isso no Brasil?).
E uma história (o Coliseu foi construído há 2.000 atrás e nós aqui ainda brigando pelas “arenas” dos times de futebol) impressionante.
Uhhh…
Liderança
Segue o baile bem brasileiro e norte-americano de insuflar nas pessoas, em especial nos gerentes, a necessidade deles “aprenderem a liderar” seus funcionários. E tome mercado vendendo consultoria, coaching, treinamento, livros e tudo o mais ao redor. Nada contra, se há demanda, por que não atendê-la?
Mas é demais. Demais. Por que se é obrigado a comprar o carro de último tipo se vivemos apenas na cidade onde um pequeno carro como um Smart seria suficiente (não fosse o preço exorbitante que a Mercedes nos cobra por ele aqui)? Ou até uma scooter?
A pressão consumista que sofremos é exagerada e acabamos compramos inclusive o “aprendizado de liderança”.
No avião de retorno de Lisboa a Porto Alegre (TAP, excelente qualidade), lia um livro do Rubem Alves chamado Ostra feliz não faz pérola. Ele tem uma passagem muito boa para ilustrar tudo isso:
Era uma sessão de terapia.
“Não tenho tempo para educar a minha filha”, ela disse. Um psicanalista ortodoxo tomaria essa deixa como um caminho para a exploração do inconsciente da cliente. Ali estava um fio solto no tecido da ansiedade materna. Era só puxar o fio… Culpa. Ansiedade e culpa nos levariam para os sinistros subterrâneos da alma.
Mas eu nunca fui ortodoxo. Sempre caminhei ao contrário na religião, na psicanálise, na universidade, na política, o que me tem valido não poucas complicações. O fato é que eu tenho um lado bruto, igual àquele do Analista de Bagé. Não puxei o fio solto dela. Ofereci-lhe meu próprio fio.
“Eu nunca eduquei os meus filhos…”, eu disse. Ela fez uma pausa perplexa. Deve ter pensado: “Mas que psicanalista é esse que não educa os seus filhos?”. “Nunca educou os seus filhos?”, perguntou. Respondi: “Não, nunca. Eu só vivi com eles”.
Essa memória antiga saiu da sua sombra quando uma jornalista, que preparava um artigo dirigido aos pais, me perguntou: “Que conselho o senhor daria aos pais?”. Respondi: “Nenhum. Não dou conselhos. Apenas diria: a infância é muito curta. Muito mais cedo do que se imagina os filhos crescerão e baterão as asas. Já não nos darão ouvidos. Já não serão nossos. No curto tempo da infância há apenas uma coisa a ser feita: viver com eles, viver gostoso com eles. Sem currículo. A vida é o currículo. Vivendo juntos, pais e filhos aprendem. A coisa mais importante a ser aprendida nada tem a ver com informações. Conheço pessoas bem informadas que são idiotas perfeitos. O que se ensina é o espaço manso e curioso que é criado pela relação lúdica entre pais e filhos.”
Ensina-se um mundo! Vi, numa manhã de sábado, num parquinho, uma cena triste: um pai levara o filho para brincar. Com a mão esquerda empurrava o balanço. Com a mão direita segurava o jornal que estava lendo… Em poucos anos, sua mão esquerda estará vazia. Em compensação, ele terá duas mãos para segurar o jornal.
Pescou o enfoque que desejo dar?
Albert Bandura criou um conceito chamado “aprendizagem social” ou “modelagem”: da convivência com os outros seres humanos e os respectivos exemplos comportamentais que dão, as pessoas aprendem a ser o que são. Não há como num curso de três dias ou numa pós-graduação de um ano, se tornar alguém diferente e com “tino de liderança”.
Mas pra dá aprender a gerenciar recursos, o que é diferente.
Gerentes precisam gerenciar
Aliás, é impossível querer aprender a ser líder antes de aprender a gerenciar.
Leia o que Henry Mintzberg escreve em Managing – desvendando o dia a dia da gestão:
Seja na academia ou nas colunas dos jornais, é muito mais fácil contemplar as glórias da liderança do que encarar a realidade da gestão. Obviamente, a gestão sai perdendo nessa história, mas a própria liderança também prejudicada. Quanto mais obcecados por liderança, menos dela conseguimos. Na verdade, quanto mais dizemos que estamos desenvolvendo lideranças em cursos e programas (contei as palavras líder e liderança mais de cinquenta vezes no site do programa de BMA da Harvard de 2007), mais produzimos arrogância. O motivo é que a liderança é conquistada, não ungida.
Além do mais, ao colocarmos a liderança em um pedestal, separado do da gestão, transformamos um processo social em um pessoal. Não importa o quanto falemos sobre o líder fortalecer o grupo, a liderança ainda enfoca o indivíduo: sempre que promovemos a liderança, rebaixamos os outros ao nível de seguidores.
Se você ainda não entendeu: é preciso primeiro aprender a ser gerente. E as empresas precisam de gerentes que colaborem a alcançar os resultados desejados (desde a sobrevivência até expansão de mercado ou apenas otimização dos recursos).
Então a primeira palavra é resultado. E para isso é preciso que ele seja estipulado, definido um prazo para que seja alcançado e quais recursos estarão à disposição para chegar lá (ou próximo).
Todo mundo hoje quer ser um Steve Jobs ou outros suprassumos da liderança e esquece que Hitler e outros desgraçados também eram muito competentes em liderança.
Eu não vou entrar no mérito que o grupo de pessoas do suporte técnico, em certo momento, necessita de um determinado tipo de líder e que, passado esse tempo, o líder é descartado (aconteceu até com o Jobs!).
A maioria dos livros não vai ensinar isso (por que não interessa, é claro).
Mas gerenciar é preciso. Controlar os gastos, quem chega atrasado, por que estamos perdendo tempo com algo que não vai ajudar a atingir a meta, como selecionar as pessoas certas para os cargos, como definir os processos ou reajustá-los para adaptarem-se a tempos mais modernos e assim por diante.
Isso é o gerente quem faz. E isso dá pra aprender.
Abraços!
EL CO
Grande Co,
Fico feliz que tenha retornado aos artigos. Já estava sentindo falta.
Abração!
Salve!
Estava concentrado na visita aos seus primos lá na Itália, hehe.
Abraços,
EL CO
Olá Cohen,
Confesso que comecei a acompanhar teus artigos a pouco tempo, mas já estou gostando bastante.
Em especial, este artigo me fez lembrar um outro que li na Harvard Business Review (http://www.hbrbr.com.br/materia/primeiro-vamos-demitir-todos-os-gerentes), onde sugere que as competências atualmente atribuÃdas aos gerentes (ou: “o pensamento gerencial”) seja reatribuÃdo a (todos) os indivÃduos/funcionários/colaboradores/pessoas (como queiram chamar…) numa organização, transferindo assim esta responsabilidade e anulando a necessidade da “figura” (entenda-se: pessoa fÃsica) que é o Gerente.
O artigo é muito bem escrito, rebruscado e embasado, e cita o (sim, um) exemplo de uma empresa que colocou isso na prática, e dá muitas “dicas” de como chegar lá, o que seria caminho das pedras.
Em minha humilde opinião (e posso parecer antiquado/conservador nisso), não creio que isso se aplica: A) a nossa cultura + B) nos dias atuais, porquê: A) pessoas tem que ser “relembradas” sempre + B) em diferentes momentos e ciclos/fases.
Gostaria de saber tua visão sobre o artigo que citei, ou ao menos discorrer sobre ele para poder aprofundarmos mais o assunto, comparando as idéias entre ambos (os artigos).
Grande abraço, de um gaúcho fugido de Não me Toque (atualmente em Joinville – SC)!!!
PS.: Bom ver o Renê por aqui também, sou fã dele, hehe. 😉
Salve, patrÃcio (ou conterrâneo?)
Eu acho que poucas empresas conseguem ter uma estrutura como a recomendada.
Isso envolve muito a questão cultural como você bem salientou.
Acho que o artigo citado é legal, pois oferece a possibilidade de descortinarmos um novo mundo, mas…
Sei lá, posso ser meio velho, mas não consigo ver isso aqui. Por várias questões, até mesmo de discutir um novo projeto.
Mas imagine um projeto que envolva várias áreas. Iriam todos de cada área? Somente os lÃderes? Daà já cairia novamente no gestor, mascarado sob o apelido de “lÃder”.
Abs
EL CO