Peter, dá um tempo. O Brasil não é USA

As questões comportamentais, sociais e econômicas do Brasil são diferentes dos Estados Unidos, por isso o que funciona por lá em Service Desk e Help Desk nem sempre funciona por aqui

Quando eu li o artigo no newsletter do HDI Brasil, não dei muita atenção por que estava cheio de coisas pra fazer. E esqueci.

Mas quando ele foi replicado no Baguete, meu periódico digital de coração, as lombrigas se manifestaram na pança e precisei escrever.

O artigo: “10 dias para cortar custos sem sacrificar o Service Desk”

O melhor é você ler ele primeiro. Eu espero. Volte aqui daqui a uns minutos e acompanhe minha crí­tica.

Ah, você já está de volta? Certo, então…

Roberto DaMatta

Antes que eu continue, registro alguns comentários do antropólogo Roberto DaMatta anotados no livro “O que faz do Brasil, Brasil?“:

… tanto os homens como as sociedades se definem por seus estilos, seus modos de fazer as coisas.

Sei, então, que sou brasileiro e não norte-americano, por que gosto de comer feijoada e não hambúrger; porque sou menos receptivo a coisas de outros paí­ses, sobretudo costumes e ideias; porque tenho um agudo senso de ridí­culo para roupas, gestos e relações sociais; porque vivo no Rio de Janeiro e não em Nova Iorque; porque falo português e não inglês; porque, ouvindo música popular, sei distinguir imediatamente um frevo de um samba; porque futebol para mim é um jogo que se pratica com os pés e não com as mãos; porque vou à praia para ver e conversar com os amigos, ver as mulheres e tomar sol, jamais para praticar algum esporte; porque sei que no carnaval trago à tona minhas fantasias sociais e sexuais; porque sei que não existe jamais “não” diante de situações formais e que todas admitem um “jeitinho” pela relação pessoal e pela amizade; porque entendo que ficar malandramente “em cima do muro” é algo honesto, necessário e prático no caso do meu sistema; porque acredito em santos católicos e também nos orixás africanos; porque sei que existe destino e, no entanto, tenho fé no estudo, na instrução e no futuro do Brasil; porque sou leal aos meus amigos e nada posso negar à minha famí­lia; porque, finalmente, sei que tenho relações pessoais que não me deixam caminhar sozinho neste mundo, como fazem meus amigos americanos, que sempre se veem e existem como indiví­duos!

(…) Muito diferente da concepção anglo-saxã que equaciona trabalho (work) com agir e fazer, de acordo com sua concepção original. Entre nós, porém, perdura a tradição católica romana e não a tradição reformada de Calvino, que transformou o trabalho como castigo numa ação destinada à salvação.

Examinando mais de perto

O texto do Peter é genérico. Um quaquilhão de sugestões para melhorar as coisas no Service Desk.

E então vem a tradicional pergunta: “Como eu faço isso?”

Ah, isso o Peter não diz, hehehe.

O que eu acho mais inescrutável são as sugestões – e por isso o tí­tulo desse meu artigo – que não se compatibilizam com o cenário brasileiro.

Assim, a crí­tica não é bem ao Peter. Afinal, cada um escreve o que deseja. E também cada um pode escolher o que ler.

O direcionamento é para aqueles gestores de suporte novatos que leem e não pensam. Saem executando ou tentando fazer conforme o articulista indicou!@#!!

Eu convoco a eles que reflitam um pouco mais sobre o artigo. Concordando ou discordando de mim, tanto faz, desde que a massa cinzenta seja colocada em ação.

Senão vejamos algumas considerações…

Da primeira

2. Adote liderança de serviços:
– Crie credibilidade e respeito através de entrega consistente de serviços, comunicações e práticas de liderança.
– Trabalhe com a TI para entregar serviços transparentes ao negócio.
– Seja flexí­vel na negociação e se envolva emocionalmente no negócio de seu cliente.
– Solucione o problema do negócio.
– Seja relevante para o negócio; identifique atividades pró-ativas que agreguem valor ao negócio e que reduza custos.

Tri legal, mas como eu garanto entrega consistente e práticas de liderança?

Aliás, o que posso considerar como consistente ou prática de liderança?

Como vou solucionar o problema do negócio? Yorra, eu sou apenas o gestor do suporte, como vou me enfiar nas outras áreas e dizer o que devem fazer? (bem que eu gostaria)

O que é ser flexí­vel na negociação?

Aceitar fazer as coisas que os clientes e usuários desejam, mesmo sabendo que depois isso vai sobrar pra nós? Pra quê catálogo de serviços então?

O que é “envolver emocionalmente“? Ir “chorar as pitangas” com o usuário por que o micro dele se desmanchou nesse calor dos diachos? Pô, quem mandou ele trabalhar na oficina ou na portaria dos caminhões?

Da segunda

5. Solidifique e melhore o ní­vel de operação:
– Melhore a eficiência, integração e cooperação entre todos os departamentos de TI e de negócio, para que não importa de onde venha o cliente, que ele tenha a mesma experiência.
– Pare de dar suporte aos clientes através de diferentes sistemas “tampões”! É caro, ineficiente e gera trabalhos extras.
– Automatize e integre tudo em um sistema único eficiente, que permita tornar a resposta ao cliente mais eficiente e ágil.
– Trabalhe para antecipar as necessidades dos clientes e seja pró-ativo a ponto de identificar e prover uma solução antes que o cliente a requisite.

Só se eu fosse Deus para melhorar a eficiência, integração e cooperação entre todos os departamentos de TI. Nem o dono da empresa consegue; nem o gerente de informática consegue; logo eu, gestor de suporte, vou ter essa varinha mágica? Se eu tivesse, já tinha feito o Grêmio ganhar o Campeonato Brasileiro do ano passado (ou, pelo menos, não entregar o jogo pro Flamengo na última partida).

Automatize tudo num único sistema” é maravilhoso.

Só preciso de US$ 100.000 pra comprar o software (se bem que o Fireman é mais barato que isso). Fora treinamento da equipe nos finais-de-semana (por que durante não dá), hardware para suporte isso tudo, orientação aos usuários etc.

Da terceira

7. Foque na Resolução no Primeiro Contato (FCR)
– Na média, cada 1% a mais de Incidentes solucionados no primeiro contato resulta em aumento da satisfação do cliente em 0,64%.

Jamais esquecerei as palavras do Rafael Gonçalves da empresa Aracruz Celulose em um dos eventos Help Desk Day (o texto abaixo é uma livre interpretação minha):

Tem uma hora que não dá mais pra investir no FCR. Isso por que para alcançar mais 1% na meta, as despesas aumentam numa hipérbole e fica complicado justificar ao diretor tanta despesa por um retorno que não compensa tanto.

Da quarta

Outro item do Peter:

– Diminua ou elimina ligações, fornecendo funcionalidades self-service para o seu cliente.

“Hua hua hua”, como escreveria minha jovem filha para mim…

Alguém no Brasil coloca gasolina no próprio carro? Pinta a sua própria casa ou corta a grama do jardim?

Nós não temos uma cultura self-service no paí­s.

E mais, Ricardo Mansur já explicou no seu livro “Governança de TI” (esse sim, o papa do assunto):

É mais caro deixar o usuário procurar soluções para os problemas do que ligar para o Help Desk, onde sempre existem alguém pago pra isso. Claro, essa visão combina com o tí­tulo do artigo do Peter (cortar custos), mas…

Hehehe, daí­ surge conflito com o negócio. Não?

Talvez se os nossos usuários abrissem chamados via WEB. Exclusivamente. Isso ajudaria a economizar uns pila ao Service Desk. Ao menos, redução da telefonia, baias etc. Mas depende de cada corporação.

Da última

10. Ideias adicionais de corte de custos
– Home-office uma vez por semana.
– Serviços para suportar os profissionais de Home-office.
– Fazer reuniões on-line.
– Delegar quando preciso.
– Renegociar contratos de fornecedores.
– Reduzir e aposentar tecnologias antigas, SO e impressoras pessoais.
– Seja realista sobre cross-training.
– Automatize pequenas tarefas que cotidianamente são feitas de forma manual.

Home-office para um técnico de suporte de primeiro ní­vel? Ou para as equipes de apoio? Hoje a conexão de internet nos EUA é show, mas no Brasil… Ainda mais depois de tanta chuva e furacões… Sei lá. Eu não duvido que este seja o caminho, mas recomendo firmemente a você ver a legislação trabalhista sobre isso, assim como a infraestrutura necessária. Por que senão fica algo que vamos correr atrás sem chances de realizar.

Quando é preciso delegar? Hahaha, essa indefinição mata.

Sacaneando o (Cohen) sacana!

Hehehehe.

Perdão a todos os leitores que chegaram até aqui.

O texto do Peter é bom. Eu só acordei de mau-humor nesta segunda-feira de Carnaval (claro, vim trabalhar!).

E mais: se você enfocá-lo como uma mensagem ao gestor de TI e não ao de suporte técnico, as coisas ainda ficam mais fáceis de compreender.

A minha intenção era polemizar mesmo. Leve exercí­cio de perturbação da calmaria.

Creio que o mais importante é sempre QUESTIONAR.

Questionando, você pode concordar ou não com o autor. Mas realizou um exercí­cio de avaliação, o que já é muito bão!

Abraços,

EL Cohen

7 comentários em “Peter, dá um tempo. O Brasil não é USA”

  1. Cohen,
    Concordo plenamente com suas críticas, mas a conclusão que tirei do artigo do Peter é que não há fórmula mágica, não há como cortar custos (operacionais) do service desk sem que haja algum tipo de investimento (ferramenta, treinamento, automação, home office, etc). Simplesmente não dá para ir além de um determinado ponto sem “gastar”. O que deve ser medido e calculado é se o investimento terá retorno e quando.
    Não há fórmula mágica, nem balas de prata.
    Abraços,
    João Galdino

  2. Salve, João!

    Pra mim, a impressão que ficou é que o Peter choveu no molhado. Enxugar custos, usar home office etc.

    OK, mas como é que implementamos isso? Como é que resolvo questões trabalhistas? Ou de desinformação do sujeito que está remoto? Ou de tecnologia para ele usar? Só nesse item borbulham trocentas coisas.

    Hehe

    Abração!

    EL Co

  3. Bob,
    A internet nos EUA não é tão top como muitos imaginam. Os americanos estão ficando pra trás rápido, em comparação com a Europa e Ásia.
    Veja este gráfico http://goo.gl/JTY4
    Os EUA estão em 15.º, com velocidade média abaixo de 5mb.
    Particularmente uso 10 mb, poderia ter para 15, 30 até 100.  Quem mora nos grandes centros urbanos, consegue boas velocidades.
    Então home-office é bem possível no Brasil sim 🙂
     

  4. Take easy, boy…

    Home Office pra um negócio de fundo de quintal (perdão pela expressão) pode funcionar sim.

    Mas…

    Pra algo mais corporativo – presumo que seja a eles que o Peter escreveu – acho brabo, por quê…

    Você tem constantes crashes deste tipo de serviço no mercado nacional. Ainda, eu acho. Não que eu pretenda ser morrinha, anti modernismo etc.

    Mas dá pra garantir uma disponibilidade Telefônica, Net, GVT, rádio etc. 100%? Ou 90%?

    Sim, por que é esse serviço que os técnicos tem (teriam) em casa, right?

    El Co

     

  5. Creio que a empresa que está mais perto de conseguir um bom nível tanto de serviço como de uptime seria a GVT.
    Felizmente eles estão chegando em SP e no RJ, para fazer guerra com net e velox (que mais parece lerdox).

  6. Complementando as análises, acho que o artigo tem boas idéias, mas para mim ele esqueceu um ponto fundamental, que nos da Premier já fizémos Várias vezes. Definir prazos claros para preparar o Cliente para os tempos que o negócio não tiver capacidade de oferecer um serviço “normal”. Muito alem de FCR’s ou coisas do tipo, sempre que há uma cultura de comunicação e o usuário entende que o que era 4 horas passa a ser 8 horas, Que o serviço de acompanhar video conferencia, suporte a aplicativos não autorizados e que celular pessoal não será suportado ela equipe de TI em função da situação do negócio da companhia! Ai sim eu te garanto Que se reduz custo!
    Mas essa história de colocar self-service, isso e aquilo e ter a premissa que menos trabalho no Service Desk é igual menos pessoas!!
    Te convido a conhecer a Lei de Parkinson e pense!
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Parkinson
    Não é o Mal de Parkinson!!! hahah…mas a Lei!!

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